terça-feira, 17 de março de 2009

Ilustração

A QUALIDADE ESTÁ NA ESSÊNCIA
Jornalista Valmir Bononi

Sabe quando você está num desses momentos em que nada parece satisfazê-lo para passar o domingo? Você deseja qualquer coisa, menos tentar acertar quais são os próximos versos da música na gincana do Sílvio Santos, ou ouvir a história de vida de mais um “monstro sagrado da televisão brasileira” no programa do Faustão. Aí você resolve que uma boa ocupação para o dia é tentar arrumar algumas coisas que ficaram fora de ordem no armário e, consequentemente, na sua vida. Mexe daqui, fuça dali, encontro uma caixa cheia de livros ainda a espera de um bom lugar na estante. Resquícios da última etapa da minha mudança de São Paulo para Ribeirão Preto, que começou há oito anos. Livros antigos. Que programa poderia ser melhor do que relembrar velhas leituras já esquecidas num dia tão entediante?

Logo de cara encontro um livro que já nem imaginava que estivesse ainda comigo. Afinal, foram tantos emprestados que acabaram se perdendo, sem nenhuma previsão de retorno. Mas, voltando ao livro em questão, lembrei-me de imediato o quanto ele me marcou na minha pós-adolescência: “O Perfume”, do escritor alemão Patrick Süskind. A história foi inspirada nas teorias freudianas e conta a trajetória de um homem que possui um olfato bastante apurado mas não possui um cheiro próprio. Com o passar do tempo ele se torna um grande perfumista e sua obsessão na busca de um cheiro ideal transforma-o num terrível assassino. É uma história densa que depois virou um filme, porém, como quase sempre acontece em adaptações, a literatura superou o cinema. De imediato, fiz questão de recomeçar a ler esse bom livro.

Na medida em que fui novamente seduzido por essa história tão envolvente, comecei a fazer algumas indagações comigo mesmo. Em alguns pontos, não seriam as pessoas semelhantes aos perfumes? Assim como uma fragrância pode ser boa ou ruim, também o ser humano é assim. Da mesma forma como encontramos perfumes valiosíssimos e raros e outros baratos, disponíveis em qualquer barraca de esquina, as pessoas que conhecemos no decorrer da vida também podem ser separadas por esse parâmetro. Quanto à embalagem, a situação não é diferente. Há perfumes que, de imediato, atraem pelo recipiente. Você olha, acha o frasco bonito e é quase convencido a levá-lo antes mesmo de sentir o cheiro. Depois que experimenta, percebe que valia só pela embalagem mesmo. E por que não lembrar um pensamento dos mais repetidos: “É nos pequenos frascos que se encontram os bons perfumes”. Nada original, mas não deixa de ser adequado à discussão proposta.

No meio dessa viagem sobre odores e pessoas, entendi que o segredo de qualquer perfume está na essência. É essa substância imutável que faz o perfume ser bom ou ruim, forte ou suave, verdadeiro ou falsificado. Se tirarmos um perfume do seu frasco original e o passarmos para outro vidro, ele continuará sendo o mesmo perfume porque a essência nele contida é a mesma. Podemos nos enganar só por um momento porque a embalagem mudou, mas logo o cheiro se manifesta e o perfume, bom ou ruim, é revelado.

Muitas pessoas nem percebem, mas assim como os perfumes, nós também possuímos uma essência própria. Um cheiro característico que emana da nossa alma. De uns, cheiro suave e agradável, porém de outros, o odor mais fétido e impossível de se esconder. Há quem pense ser possível mudar o nosso perfume interior, dependendo da situação, assim como podemos trocar de fragrância na hora que desejamos quando se trata de um cosmético. Como chefe de um setor no meu antigo trabalho, lembro de como muitas pessoas se apresentavam na hora de tentar uma vaga de emprego. Sempre com muita simpatia, solícitos, mostrando disposição para enfrentar qualquer problema. Muitas vezes, os próprios currículos eram maquiados, disfarçados. Infelizmente, muitos só começavam a liberar a essência verdadeira depois que já estavam contratados. E outras pessoas se comportam da mesma forma em tantas outras situações. Acham que devem e podem se mostrar de diferentes maneiras dependendo do momento ou das companhias. Esquecem que cedo ou tarde, não há verdade que não se revele. O cheiro que vem da alma sempre se sobrepõe a qualquer artifício.

Enfim, o que vale a pena mesmo é sermos autênticos sempre. Não podemos perder a essência independentemente da situação ou ambiente em que nos encontramos. E que seja a melhor essência, aquela que espalha um cheiro agradável a ponto de as pessoas nos reconhecerem sempre, onde quer que estejamos, e sentirem prazer por estar ao nosso lado. Quanto à essência ruim, a única chance de melhorar é ser tratada e transformada, um processo para o qual nem todos estão preparados ou são capazes de se permitir.

Valmir Bononi - Ribeirão Preto, SP, Brasil
Jornalista

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