quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Depoimento

"A Lição de Drummond"
Ilustrações sobre o texto "A vida necessita de pausas", do dia 3 de fev. 2009
Jornalista Valmir Bononi

Depois de mais de oito anos dedicados prioritariamente ao meu trabalho como jornalista numa grande rede de TV comecei o ano como mais um dos dos 1,6 milhão de brasileiros a procura de uma nova ocupação. Confesso que a sensação não foi das melhores. Não que já não tivesse passado antes por situação semelhante. A questão agora era a forma de retribuição prestada a quem realmente exerceu com paixão todas as atividades que lhe foram confiadas. Acredito que isso aconteça com qualquer pessoa que consiga o privilégio de fazer o que gosta.

Como sempre acontece nessas ocasiões, primeiro você cede ao sentimento negativo da revolta, da inconformidade. Depois vem aqueles momentos de se fazer uma auto-análise. Poderia eu ter feito mais? Onde foi que eu errei? Finalmente você é obrigado a deixar de lado as conjecturas, que na maioria das vezes levam a lugar nenhum, para iniciar o processo de reorganização da sua vida até chegar a um novo emprego. E quanto mais rápido você processar tudo isso, melhor. Pelo menos era assim que eu pensava até ler ainda esses dias, aqui mesmo neste blog, artigo do meu amigo Léo sobre saúde emocional.

Vamos descontar aqui a falta de isenção natural de quem fala sobre alguém que se admira. Mais do que o bom texto e a percepção arguta do que é o nosso cotidiano, o que mais chamou a atenção na leitura foi perceber o quanto fui atingido por ela. Por quanto tempo eu nem sequer lembrei a existência desse termo: saúde emocional? Mais precisamente os últimos oito anos de total dedicação à empresa em que trabalhava. De imediato vieram à minha mente todas as imagens de uma rotina que por muitas vezes se resumia a doze ou treze horas dentro da empresa, lembrando tardiamente de parar por 15 ou 20 minutos para comer, sem saber ao certo se estava almoçando muito tarde ou jantando cedo demais. No cardápio, geralmente, aquele velho e bom sanduiche de uma lanchonete famosa. E sim, muitas vezes eu podia jurar que ouvia dentro de mim: "Eu amo tudo isso". E pensa que parava por aí. Nada disso, afinal eu era o "chefe", e líder que se preza tem que estar 24 horas à disposição da empresa. Celular e rádio sempre a postos. Meu Deus! Quantas vezes receber um chamado e ter de decidir entre mobilizar ou não uma equipe às duas da manhã num bate-papo descontraído com os amigos numa mesa de bar, que ninguém é de ferro e o calor em Ribeirão Preto é insuportável. Isso num final de semana, bem entendido. A rotina dos outros dias após o serviço era mesmo chegar em casa, tomar um banho, jantar e dormir, tudo numa sequência rápida, sem grandes intervalos para conversas com a família. Cinema, leitura? Cadê o ânimo? Resumindo, uma vida de total estresse sem se dar conta.

Sim, "a vida necessita de pausas". Sábio Drummond, astuto Léo que rapidamente soube compreender isso. Antenado mesmo, que outro nome poderia ter esse blog? Penso que é do perfil sinuoso das montanhas que emana essa facilidade mineira de enxergar dentro de si mesmo aquilo que parece tão distante. Percebi então que, estar desempregado, não deve de forma alguma ser encarada como uma situação de desespero. Não que a solução seja cruzar os braços e daqui pra frente, levar a vida na flauta, como dizia alguém da família. É claro que todos precisam de uma ocupação, e a bem da verdade, felizmente não fiquei totalmente parado depois que fui demitido. Mas aquela situação que acabou se transformando em algo tão natural na minha vida, será que vale a pena ser repetida? Ou será melhor daqui pra frente saber conciliar o tempo e encontrar um ocupação que permita me dedicar tão apaixonadamente a ela quanto ao prazer de assistir a um bom filme, ler um livro, conversar mais com a família e os amigos, ser mais humano e menos máquina?

A resposta comecei a dar logo depois de ler o referido artigo. Fui ao cinema. E de imediato vou retomar a leitura do livro que comecei a ler nas férias de novembro e nem terminei. E terminar a monografia da pós-graduação que perdi o prazo de entrega em dezembro porque não tinha tempo para fazer. E telefonar para amigos e parentes que não vejo há tempos. E ouvir mais as pessoas ao meu redor. E sobretudo, amar. Amar mais e melhor tudo e todos que valem a pena e muitas vezes ficaram tão esquecidos.

Como vê, Léo, acho que também estou aprendendo a lição de Drummond. Sim, "a vida necessita de pausas". E obrigado por me lembrar disso.



Valmir Bononi - jornalista
Ribeirão Preto - São Paulo

Este artigo também será publicado no "Viva a Vida", publicação mensal de S.S.O. da Unidade Alegria, Minas Gerais

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